A comissão especial de senadores que examina o projeto do novo Código Penal (PLS 236/2012) definiu uma agenda de audiências públicas para reabrir a discussão com a sociedade. O primeiro debate, já na próxima quinta-feira (28), será com um dos maiores críticos da proposta, o jurista Miguel Reale Júnior, que no ano passado apontou "erros da maior gravidade técnica" e chegou a afirmar que a proposta "não tem conserto".
Reale Júnior se sentará ao lado do procurador da República Luiz Carlos Gonçalves, relator da comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto. Além das questões técnicas, conceituais e filosóficas apontadas por Reale Júnior, o texto causa polêmica por inovar em temas como a descriminalização das drogas em quantidade para uso pessoal e na previsão de novas hipóteses de aborto legal, hoje só permitido quando resultante de estupro ou em caso de risco de morte para gestante.
Na reunião administrativa, ficou definido o núcleo temático das novas audiências para os próximos meses, mas ainda sem fixação das datas. Porém, ficou acertado que haverá debates em Brasília e em diferentes Estados, conforme acordo na comissão. De acordo com o presidente do colegiado, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), a intenção é assegurar a mais ampla discussão.
A tramitação do projeto de lei que trata da reforma do Código Penal foi suspensa em novembro último, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em defesa de um maior aprofundamento dos debates. A OAB criticou a exiguidade dos prazos previstos para a apreciação de matéria tão relevante e defendeu a necessidade de se promover maiores discussões no Legislativo a fim de se evitar incongruências e equívocos na fixação de penas, punições e na legislação que afeta a vida, a liberdade, a segurança, o patrimônio e outros bens jurídicos de milhões de pessoas.
Internação compulsória
Os senadores sinalizaram, por exemplo, para a necessidade de abordar a internação compulsória de dependentes químicos. Na opinião do relator da comissão, senador Pedro Taques (PDT-MT), além das penas alternativas, medidas administrativas como a internação poderiam ser aplicadas a esses usuários. Ele reconheceu, porém, que será difícil conseguir “pacificar” as críticas em relação ao tratamento que poderá ser dado ao tema das drogas e a outros como o aborto legal e a eutanásia.
“São questões que envolvem posições filosóficas, científicas e religiosas. Mas temos que ouvir o cidadão, ouvir os vários centros e as várias posições. Em uma democracia a minoria tem que ser ouvida, tem que ser respeitada. Daí a razão dessas audiências públicas”, explicou Taques.
Pelo desejo de Eunício Oliveira, os debates e a aprovação do substitutivo na comissão devem seguir em ritmo que permita votar o texto em Plenário antes do recesso de julho. Já Pedro Taques mostrou-se pouco convencido da possibilidade. Ele disse que a vontade do presidente da comissão é “legítima”, mas observou que o desfecho vai depender do andamento das audiências. A seu ver, o mais provável é que a aprovação no Senado ocorra no segundo semestre.
Houve consenso, no entanto, quanto à importância da reforma do atual Código, em vigor desde 1942. Desde então, o texto passou por uma grande reforma em 1984, na Parte Geral, e alterações pontuais. Taques observou que o país convive hoje com 117 leis penais especiais e 1.770 crimes tipificados, o que dificulta a compreensão dos fatos criminais. Além disso, ele criticou a Parte Geral do código vigente, a seu ver responsável pela impunidade que hoje se verifica em relação aos crimes graves. Um dos problemas seria a facilidade para a progressão da pena.
“Não é razoável que alguém cometa homicídio e fique apenas um ano preso. É um absurdo e não condiz com a democracia, pois nela o Estado tem o dever fundamental de defender o cidadão”, argumentou.
Idade penal
Outro tema polêmico que poderá ser discutido nas audiências é a redução da maioridade penal. Mesmo com entendimento de que o assunto não tem como ser mudado por lei ordinária, o colegiado poderá ouvir a sociedade e depois sugerir alternativas, segundo Eunício Oliveira.
“Depois dos dezesseis anos, os jovens devem responder por crimes efetivamente cometidos. Alguém que furtou um pacote de biscoito para comer é muito diferente daquele que cometeu de vinte a trinta crimes graves, vai para o centro de recuperação, tem seis meses de bom comportamento e depois volta para cometer crimes”, opinou.
Assim como Eunício Oliveira, Pedro Taques considera oportuno aproveitar as audiências para debater a maioridade penal, que hoje é a partir de 18 anos. Segundo ele, a questão a ser enfrentada não se refere ao menor infrator, problema que considera numericamente irrelevante, mas aos adolescentes que cometem crimes graves.
(Com informações da Agência Senado)