Artigo - Raimundo Nonato Fernandes, exemplo para todos nós
Tive a honra de trabalhar durante quatro anos com o Professor Raimundo Nonato Fernandes. Eu era funcionário de carreira da Consultoria Geral do Estado, trabalhava com o Professor Ivan Maciel de Andrade (Governo Geraldo Mello), quando, à Consultoria Geral, Dr. Raimundo Nonato voltou a ser seu titular. Discreto, reservado, de pouca conversa, Dr. Raimundo Nonato tinha um grande coração. Era um humanista na melhor acepção da palavra.
Embora nunca tenha escrito um livro, publicou centenas de artigos jurídicos, alguns dos quais ainda hoje citados como verdadeiras obras primas. Falava, lia e escrevia em francês, pois fora aluno da Aliança Francesa de Natal, o Professor Raimundo Nonato tinha uma das melhores bibliotecas do Rio Grande do Norte e, muitas vezes, a ela me socorri para incontáveis pesquisas. Tinha toda a obra de Marcel Planiol, Louis Josserand, Georges Ripert, Jean Rivero, Maurice Harriou, André de Labaudere, Gaston Jèze, dentre outros. Tudo lido e anotado a mão. Escrevia como poucos. Era um leitor voraz.
Numa época em que não existia internet, ele lia diariamente o Diário Oficial da União e o Diário da Justiça, anotava em fichas todas as mudanças legislativas e os julgados dos Tribunais Superiores, chegando a possuir cerca de cem mil decisões catalogadas. Suas petições eram marcadas pela objetividade, mas com muita profundidade.
O Professor Raimundo Nonato Fernandes foi, além de um advogado exemplar, um Procurador do Estado que muito dignificou a advocacia pública. Simples, humilde, ao ser homenageado pelos advogados brasileiros durante Conferência Nacional dos Advogados realizada em Natal/RN, disse que não se sentia merecedor daquela honraria. Merecia, sim.
O Rio Grande do Norte deve muito ao trabalho sério e íntegro do Professor Raimundo Nonato que exerceu o cargo de Consultor-Geral do Estado durante seis vezes: Governo Dinarte Mariz, de 20.11.1957 a 27.01.1961; Governo Aluizio Alves, de 01.2.1961 a 31.01.1966; Governo Monsenhor Walfredo Gurgel, de 01.3.1966 a 16.08.1966; Governo Tarcísio Maia, de 15.03.1975 a 14.03.1979; Governo José Agripino em dois períodos, de 15.03.1983 a 14.03.1987 e de 15.03.1991 a 12.07.1994.
Além de Conselheiro da OAB por diversas vezes, Presidente do Conselho Penitenciário do Estado, Professor da UFRN, Juiz efetivo do Tribunal Regional Eleitoral, membro, por três vezes, da Comissão de juristas encarregada de fazer a reforma das Constituições do Estado (1969, 1979 e 1989), Raimundo Nonato foi redator do jornal A República , Procurador da Legião Brasileira de Assistência - LBA, Oficial de Gabinete do então Presidente da República João Goulart e Vereador em Natal.
Posso dar o testemunho de alguém que durante quatro anos conviveu diariamente com o Mestre e pude ver gestos de honradez, lealdade, amor ao próximo e profundo espírito público. Conto dois casos que presenciei e que podem ser testemunhados por Marluce Maciel, Vulzan Albuquerque, Ana Bandeira de Mello, Nereuda e vários funcionários da Consultoria Geral do Estado. Serginho, filho de Dr. Raimundo Nonato, que morava em Brasília/DF, adoeceu e, por isso, Dr. Raimundo necessitou, com certa freqüência, telefonar de Natal para Brasília, para saber do estado de saúde do filho e acompanhar seu tratamento. Pois bem, quando as contas da TELERN chegaram, ela foi até a Secretaria da Administração levando as contas e pediu: Marluce Maciel, some essas contas das ligações que fiz para Brasília e desconte do meu hollerith, pois foram despesas pessoais, interurbanos que fiz, mas não foram ligações a serviço do Estado. Marluce ainda tentou contra argumentar, mas foi em vão. Teve que descontar o custo das ligações do contracheque do Professor.
Outra que também testemunhei: a Consultoria Geral do Estado funcionava no Ed. 21 de março, ali na Vigário Bartolomeu. No mesmo edifício funcionava o escritório do Professor Raimundo. Muitas vezes ele necessitava fazer uma petição relacionada a um cliente. Sempre que precisava, ele saia da CGE, ia ao escritório e depois descia com várias folhas de papel e a fita da máquina IBM de esfera. Fazia a petição e entregava ao cliente. Nunca usou uma folha de papel da Consultoria para uso particular.
O rigor e a profundidade dos conhecimentos, o espírito público, a inteireza do caráter, a altiva independência, o empenho no diálogo, o combate ao arbítrio e às injustiças, a dedicação à preservação da liberdade e o empenho de fazer sempre o que era certo são características do percurso de Raimundo Nonato Fernandes e do seu trabalho como advogado, homem público e cidadão. O que singularizava o trabalho de Dr. Raimundo Nonato era a objetividade e a clareza. Sempre buscando apoio argumentativo nos clássicos, o mestre dos mestres reaglutinou conceitos, numa arte combinatória de grande originalidade, na qual a linguagem iluminava o entendimento dos contextos e das situações. É isso que faz dele um raro caso de pensador analítico com agudo senso de justiça. Daí a qualidade e pertinência dos seus juízos.
Hoje, saindo da Clínica de Dr. Edvaldo Vasconcellos no Espaço América, onde fui fazer exames, passei na sala da Associação dos Procuradores do Estado, ao lado, exatamente no momento em que Maria, filha de Dr. Raimundo Nonato, comunicava o falecimento do pai. Fiquei triste e não contive as lágrimas. Veio-me à mente, num flask-back, as lições, os conselhos, as orientações, o carinho e o amor que recebi do meu Mestre querido. Certa vez, numa carta que guardo como um tesouro, ele me advertiu: Lembre-se que um dia todas as pelejas e torneios sociais cairão na mais vil das inutilidades. O importante é não perder de vista o olhar humano para o inenarrável milagre da compreensão e do amor ao próximo. Obrigado, Professor. Obrigado por tudo que fez por mim e por muita gente. O Senhor sempre será exemplo para todos nós.
Miguel Josino Neto é Advogado, Procurador-Geral do Estado e Professor Universitário.
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