O Exame da Ordem dos Advogados do Brasil é um instrumento de proteção da cidadania. Quando o cidadão procura um advogado, seus bens mais importantes estão em risco: a liberdade, a guarda dos filhos, a honra, o patrimônio. A boa atuação do advogado pode fazer a diferença entre a liberdade e a sua privação. Quando contratamos um advogado, confiamos aos seus cuidados o que temos de mais valioso, pressupondo que domine as técnicas necessárias para bem nos representar em juízo.
A entrega a um bacharel em direito da carteira de advogado não é um mero ato protocolar: possui importantes significados. Dentre eles, está o de informar aos cidadãos que aquele profissional reúne as condições técnicas necessárias para representá-lo, e aos demais operadores do direito que o colega está apto à atividade forense, conhecendo as implicações éticas e jurídicas de seus atos.
Durante a década de 1990, houve uma expansão desmedida do ensino jurídico. O Brasil é o país do mundo com maior número de faculdades de direito. O governo foi permissivo — para dizer o mínimo — ao autorizar, quase sem critério, a abertura de novas faculdades de direito, desconsiderando a sempre veemente oposição da OAB, manifestada por meio da Comissão de Educação Jurídica do Conselho Federal. Em muitos casos, o acesso ao ensino superior se converteu em uma fábrica de ilusões: milhares de bacharéis foram diplomados sem terem desenvolvido as habilidades necessárias ao exercício da advocacia.
Inconformados com a exigência do Exame de Ordem, muitos bacharéis buscaram seu registro junto ao Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal pôs fim à polêmica, declarando a constitucionalidade do Exame de Ordem. A Corte entendeu que o exame estabelece restrição razoável e proporcional à liberdade de ofício, trabalho ou profissão. São excluídos do exercício da advocacia apenas os bacharéis que não apresentam domínio de conhecimentos básicos de direito. Como o Brasil é o segundo país com maior número de advogados por habitantes, o cidadão tem amplíssimas possibilidades de escolha.
Quando a OAB evoca a defesa da cidadania, o faz legitimada por sua história de serviços prestados ao Brasil. A voz dos advogados sempre esteve ao lado do povo na luta pela liberdade. Nossos colegas protestaram contra o arbítrio, a violência e a tortura; tiveram o destemor de exigir liberdade quando muitos se calavam. Nossa história sempre foi de luta pelo direito e pela justiça. E agora novamente lutaremos para impedir que, pelo aviltamento da advocacia, a cidadania seja aviltada.
A imprensa tem noticiado que a motivação do autor do projeto seria retaliar a OAB por ter criticado sua nomeação como relator do novo Código de Processo Civil. Se é esta a motivação do deputado, não poderemos saber. O fato, porém, é que o Código de Processo Civil é a lei por excelência de regulação da atividade jurídica. Sua relatoria não poderia caber a parlamentar que nunca a exerceu.
A imprensa tem noticiado ainda que o projeto de lei estaria sendo bem recebido na Câmara dos Deputados em razão de críticas que a OAB tem dirigido à instituição. De fato, temos criticado o sistema eleitoral hoje em vigor, especialmente o financiamento privado das campanhas eleitorais, o qual provoca graves disfunções nas práticas parlamentares. Para ajudar a superar tais disfunções, dentre outras medidas, elaboramos projeto de reforma política e o encaminhamos ao Congresso Nacional, lutamos pela aprovação da Lei da Ficha Limpa e ajuizamos diversas ações diretas perante o Supremo Tribunal Federal.
Caracterizar a OAB, em razão dessas ações e críticas, como adversária do Parlamento seria um verdadeiro absurdo histórico. O Congresso Nacional vive um ambiente de ampla liberdade, funcionando sem embaraços. Trata-se de conquista do povo brasileiro, que corajosamente lutou contra a ditadura militar. A OAB sempre esteve ao seu lado, exercendo muitas vezes papel de liderança na afirmação da dignidade parlamentar. Hoje, mantém-se firme ao lado do Congresso Nacional, denunciando tentativas de usurpação das competências legislativas pelo Poder Executivo, quando abusa na edição de medidas provisórias.
Qualquer movimento coordenado no Congresso para retaliar a OAB e os advogados só poderia ser protagonizado por quem não conhece o passado e não tem compromisso com o futuro. A democracia brasileira está madura, e há muito já compreendemos que a crítica pública é crucial para o aperfeiçoamento das instituições. A via escolhida pelo Brasil é a via do diálogo permanente. Tentar calar a OAB, apresentando a perspectiva do caos, significaria atingir gravemente a própria liberdade de expressão. Não menos.
Lei que, para veicular vinganças e hostilidades, pusesse fim ao Exame de Ordem padeceria de grave “desvio de finalidade”. O Chanceler Otto von Bismarck advertia: “Quanto menos as pessoas souberem como se fazem as salsichas e as leis, melhor dormirão à noite”. O momento é de lançar sobre o PL 2154/2011 um intenso foco de luz.
Autor: Cláudio Pereira de Souza Neto - conselheiro federal pelo Rio de Janeiro.