Para falar sobre ENOCK DE AMORIM GARCIA tenho de voltar à minha infância, quando tive a oportunidade de conhecer aquele homem interessante quando vinha conversar com o meu pai, ainda em Macaíba. Depois as visitas que fazíamos ao seu sítio, onde me impressionavam os pavões e guinés. Com nossa vinda para Natal as visitas continuaram, na biblioteca da nossa casa da Rua Meira e Sá. Causou-me admiração, primeiramente, a sua postura física e sua voz um pouco fanha. Depois a minha atenção se voltou para o ‘homem destemido’, como papai o denominava e detalhava os seus feitos.
Daí em diante procurei acompanhar a sua trajetória, saber a sua história, até porque entrelaçamos nossas famílias entre Gracinha de Leda e Wallace, e encontrei as informações que ratificavam o pensar do meu velho desembargador Zé Gomes, como Enock o chamava.
As leituras e as conversas eram voltadas para a história judiciária e política do Rio Grande do Norte e, de quando em vez, os comentários sobre a agricultura e a pecuária, oportunidade em que o Dr. Enock falava sobre uma experiência que fez para tratar da aftosa, numa composição com permanganato de potássio.
Cada dia mais me apaixonava aquele personagem filho de Teodomiro de Amorim Garcia e Maria Celestina de Amorim Garcia, nascido no alvorecer do século XX.
Foi aluno do velho Atheneu e Bacharel em direito pela tradicional Faculdade do Recife, turma de 1932 ao mesmo tempo em que trabalhava como rádio telegrafista, especialidade muito importante na época em que as comunicações engatinhavam no Brasil e que lhe valeu passar para a história no correr da Revolução de 1930, da qual foi um dos conspiradores, na cidade do Recife e obterve a patente de 2º Tenente, com a alcunha de ‘tenente esparadrapo’ – não sei por qual razão!
Assistiu ao assassinato do Presidente João Pessoa por José Dantas numa confeitaria denominada “Glória” em Recife e viu o corpo conduzido por Agamenon Magalhães e Caio de Lima Cavalcante para a Farmácia do Dr. Pinho. Era então estudante da Faculdade de Direito e telegrafista, como já disse, morando na Rua da Aurora, no Hotel ou Pensão Veneza, lugar muito visado pela polícia governista e de onde o inquilino alagoano José Reis atirou e matou um soldado da polícia que guarnecia a ponte que ligava a rua da Imperatriz com a rua Nova, motivando a invasão do hotel.
Sua atuação como revolucionário ocorreu pelas mãos de Alípio Pereira de Souza, um tenente da Polícia Militar de Pernambuco, que o apresentou ao Cel. Muniz de Farias e Brás Carmont, sendo que, em relação ao primeiro, o Dr. Enock sempre proclamou ter sido o maior dos conspiradores de 1930. As reuniões sempre ocorriam na casa do médico Luís de Góis, dentro de extremo segredo. As escaramuças aconteciam próximo ao Colégio Nóbrega.
Costumava dizer que a Revolução de 30, eclodida em 3 de outubro foi precipitada pelo assassinato de João Pessoa, pois do contrário, possivelmente não teria alcançado a força suficiente para a vitória.
Chegou a ser preso e conduzido ao “Brasil Novo”, denominação que era dada, por ironia, ao xadrez para onde eram levados os conspiradores. Foi salvo pelo Deputado Elpídio Branco, único parlamentar da oposição.
Após ser solto correu para o telégrafo onde começou a sua verdadeira atuação com a transmissão de boletins a mando de Juarez Távora, um dos grandes líderes da Revolução, ao lado de Agildo Barata, Juraci Magalhães, Oswaldo Aranha, Aluízio Moura e Muniz de Farias, por quem tinha uma admiração especial, principalmente por ter sido a ele apresentado pelo seu querido Professor Joaquim Pimenta. Além da arma do telégrafo, também pegou em armas de fogo.
Em 1935, quando da Insurreição comunista, ao lado de Dinarte Mariz e João Medeiros combateu os comunistas e teve conhecimento da estratégia para matar Mário Câmara, com o que não concordava juntamente com o Dr. Silvino Bezerra. A trama falhou, pois Mário Câmara não apareceu e por isso, afirmava ele, tomou um grande porre, pois mesmo não concordando, teria que participar da cena.
Contam que quando Delegado de Ordem Social, chegam ao porto cerca de 111 a 121 presos em razão da Intentona Comunista e, como os caminhões prometidos para a condução até a Casa de Detenção não chegaram, ele os conduziu em uma fila de três e quatro. O último da fila era Mílton Siqueira cantando “Queremos Deus que o nosso Rei...” Repreendido pelo Dr. Enock – Você ta doido. Respondeu: Você não fez a procissão? Agora tem que ter uma ladainha!
O Dr. Enock exerceu muitos cargos importantes como Delegado de Ordem Social e Investigações no Governo Rafael Fernandes, foi Chefe de Polícia, Diretor do Departamento de Agricultura, Representante do Estado no Congresso de Secretários de Agricultura no Rio de Janeiro em 1946 e no Congresso de Pecuária, também no Rio de Janeiro em 1948, construiu e inaugurou a Escola Prática de Agricultura de Jundiaí, em 1948, Membro do Conselho Estadual de Cooperativismo, foi conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do Norte em várias oportunidades, ocupando cargos da Diretoria, juiz substituto do TRE do Estado, Presidente da Cooperativa Cultural e distribuição de material escolar.
Participou ativamente de campanhas políticas, com muitos episódios de coragem e destemor, até nos eventos em que haviam tiroteios, mas também era ferino na arte da palavra, com verve poética, utilizando o pseudônimo “Zé Macaíba”.
Isso é tudo o que a memória remota ainda não apagou. Fiquei feliz em relembrar o Dr. Enock. Com muita justiça é o Patrono da Cadeira nº 13, da Academia Macaibense de Letras, cujo titular é o seu filho Roosevelt Meira Garcia.
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES
Membro Honorário Vitalício da OAB/RN
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