Retrospectiva 2012: novo quadro econômico pode fortalecer acordo coletivo

21/05/2022

Para que possamos entender a questão da relação entre os acordos coletivos de trabalho e o alcance do pleno emprego em nosso país, nos dias atuais, uma primeira colocação é necessária: esclarecermos que a nossa legislação trabalhista — Consolidação das Leis do Trabalho — foi feita para o país que não existe mais.
No ano de sua promulgação, 1943, o então ditador Getúlio Vargas, de maneira absolutamente ardilosa, na busca pelo silêncio de vozes que se voltavam contra seu governo, concedeu aos trabalhadores brasileiros uma legislação trabalhista detalhada, regulando cada atitude ou procedimento do empregado e do empregador. Getúlio adiantou-se às reivindicações que começavam a surgir no âmbito das organizações de trabalhadores do país, lideradas no geral por imigrantes italianos e espanhóis, e antecipou as conquistas dos trabalhadores que iniciavam um processo de luta por melhores salários e condições de trabalho.
As medidas de Vargas, além de tentar evitar o progresso da união dos trabalhadores que se desenvolvia, tinha como objetivo tornar o maior instrumento de força dos empregados, os sindicatos, absolutamente dependentes do Estado.
Tal submissão ao Estado se concretizava pela criação de normas que estabeleciam a necessidade da emissão da Carta Sindical para que esta entidade fosse reconhecida legalmente como sindicato, tendo, com isso, a legitimidade para cobrar de forma compulsória a contribuição sindical que alimenta financeiramente os sindicatos, independentemente de suas atuações junto aos trabalhadores.
Diante deste quadro rígido da legislação trabalhista individual e sindical, muito pouco restava aos trabalhadores em termos de lutas e conquistas, sendo que, por outro lado, diante do desenvolvimento econômico da época, tal rigidez causava pouco reflexo às atividades econômicas patronais, de forma que ambas as partes da relação trabalhista se acomodavam e aceitavam pacificamente as referidas normatizações estatais.
Somente depois de aproximadamente 35 anos, ao final da década de 1970, é que acabamos assistindo o aparecimento de novos movimentos dos trabalhadores, lutando e reivindicando a concessão de maiores salários e da melhoria das condições de trabalho e de vida. Este movimento, aparecido ainda durante a ditadura militar, fez renascer nos empregados a chama de união e de força para obter ganhos reais de salários e de uma vida mais digna e respeitável.
Todo este movimento, organizado pelos sindicatos mais progressistas do Brasil, acabou por influenciar em importantes inclusões legislativas na Constituição de 1988. Dentre as várias, a que tem maior importância para o tema proposto é o incentivo e reconhecimento da negociação coletiva como forma de solução dos conflitos coletivos entre empregados e empregadores.
Com a Constituição de 1988 a negociação coletiva, que poderá finalizar em um Acordo Coletivo de Trabalho entre a empresa e o sindicato dos empregados, se torna um forte instrumento de adequação da rigidez legislativa à economia, bem como em relação às diferentes necessidades dos trabalhadores e das empresas.
Diante de um quadro econômico caótico e conturbado, com altos juros e concorrência desleal de países que trabalham em regime de semi-escravidão, a única forma que empresas e empregados têm para adequadar a rigidez de nossa legislação à nossa realidade econômica é o Acordo Coletivo de Trabalho, através do qual, as partes negociam e compõem interesses necessários e possíveis para ambas as partes. Ressalte-se que não estamos falando aqui de renúncia a direitos, como muitos costumam a confundir, mas sim de troca de interesses e necessidades dentro das possibilidades e realidades de cada uma das partes negociantes.
Cumpre esclarecer que o inciso VI do artigo 7 da Constituição Federal autoriza a diminuição salarial diante de negociação coletiva. Portanto, é evidente que excluído o direito à saúde e à vida do trabalhador, tudo mais poderá ser negociado por Acordo Coletivo de Trabalho.
Infelizmente, poucos operadores do Direito têm o conhecimento e a disposição para resolverem conflitos de trabalho de forma preventiva por meio de Acordos Coletivos de Trabalho. A maioria do Judiciário, da advocacia e dos sindicalistas ainda preferem a costumeira forma de dirimir os conflitos das relações de trabalho de forma individual, usando as reclamações trabalhistas individuais que abarrotam anualmente a Justiça do Trabalho, mas que, entretanto, se tornam uma grande fonte de remuneração ao advogado que atua na área trabalhista, bem como uma enorme fonte de contribuição da Previdência Social.
Por estas consequências, os Acordos Coletivos de Trabalho são muito pouco utilizados, ficando geralmente esquecidos pelos operadores do Direito, que, na esfera coletiva, trabalham basicamente apenas com as Convenções Coletivas de Trabalho.
Os Acordos Coletivos de Trabalho, apesar de se constituírem como importantes instrumentos de adequação da legislação trabalhistas à realidade econômica de cada empresa, evitando conflitos coletivos de trabalho, não encontram a sua devida relevância no mundo jurídico, por interesses coorporativistas e pelo pouco conhecimento de suas possibilidades jurídicas.
Entretanto, questionamos como fica a sua importância diante da realidade de uma menor oferta de mão de obra por parte dos empregados, bem como de uma grande necessidade de mão de obra qualificada por parte das empresas.
Ao que nos parece, diante deste novo quadro econômico com menor oferta de mão de obra e maior necessidade de mão de obra qualificada, a importância do Acordo Coletivo de Trabalho permaneçe a mesma, possibilitando ainda sua maior perfeição.
Considerando que, diante do quadro econômico acima colocado, por não ser o único interesse dos trabalhadores a manutenção do emprego, este fato amplia, e de forma qualificada, as possibilidades de maiores reivindicações dos sindicatos profissionais.
Neste momento de maiores garantias para os trabalhadores, deverá haver preocupação por parte de seus sindicatos de melhores conquistas sociais e econômicas para aquele grupo de empregados. O fato de haver uma diminuição do exército de mão de obra, fortalece em muito a possibilidade de barganha por parte dos trabalhadores.
São justamente nestes momentos que podem surgir os Acordos Coletivos de Trabalho, os quais exijam das empresas que aceitem de forma mais vigorosa a convivência com os seus trabalhadores através de seus sindicatos ou de comissões nos locais de trabalho.

Neste sentido, impõe-se citar o anteprojeto de lei elaborado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que determina a criação do denominado Acordo Coletivo de Trabalho de Propósito Específico, exigindo para a sua aprovação que 50% mais um dos empregados da empresa sejam sindicalizados, e que sua aprovação dependa de 60% de votos através de escrutínio secreto, além da instalação de uma comissão dos empregados no local de trabalho dentro da empresa, além, é claro, do respeito aos direitos mínimos elencados no artigo 7º da Constituição Federal.

Sofisticações e detalhamentos como estes acima indicados são exemplos de como, numa situação de pleno emprego, os sindicatos profissionais podem e devem continuar incentivando a negociação coletiva para a realização de Acordos Coletivos de Trabalho que satisfaçam as maiores e melhores reivindicações dos trabalhadores, bem como fortaleçam os sindicatos, com o significativo aumento de trabalhadores sindicalizados.

Pelo lado das empresas, alguns poderão pensar que, ao aceitar um significativo aumento de sindicalização de seus empregados além de uma comissão de trabalhadores no local de trabalho, paga-se um preço muito alto em troca de um Acordo Coletivo de Trabalho. Entretanto, é de se observar que esta será a condição necessária para se ter maior segurança jurídica na realização e cumprimento de tal instrumento. Caberá ao empreendedor calcular se tal seriedade sindical compensa para que sejam adequados tanto os custos quanto a produtividade.

Não há qualquer dúvida de que o direito coletivo do trabalho será o caminho para o equilíbrio das relações de trabalho. A única questão que resta é saber quando os operadores do Direito terão coragem de aceitar a referida mudança, sem qualquer tipo de embaraços.

Ana Amélia Mascarenhas Camargos é advogada trabalhista desde 1981, professora PUC-SP e vice-presidente do Sudeste pela Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas — biênio 2011-2012.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27 de dezembro de 2012

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