Pandemia, precatórios e honorários: a OAB na defesa da Ordem Constitucional

01/06/2020

Pandemia, precatórios e honorários: o papel da Ordem dos Advogados do Brasil na defesa da Ordem Constitucional


As consequências da crise global provocada pela pandemia da COVID-19 transcendem as esferas sanitária e econômica, desdobrando-se em implicações que afetam diretamente as relações jurídicas, éticas e sociais; sendo ainda incertas a profundidade e a largueza das transformações impostas à nova era pós-pandêmica.

Nada obstante, como âncora e bússola que nos posicionam e orientam, a Constituição e o ordenamento legal a ela vinculado permanecem como os únicos instrumentos capazes de fornecer soluções adequadas aos problemas de relevo jurídico, contexto que não pode ser atropelado por ações estatais ou entendimentos jurisdicionais que flexibilizem a força normativa das disposições constitucionais ou legais, ainda que revestidos da justificativa do enfrentamento da crise.

Feita a sobredita introdução, dois temas atuais afiguram-se de particular importância para a ação institucional da Ordem dos Advogados do Brasil, que tocam em pontos sensíveis para a Advocacia e para a própria ordem constitucional, quais sejam: o sistema constitucional de precatório judicial e a fixação de honorários advocatícios de sucumbência.

Como resultado da peculiar história político-jurídica do Brasil, o modelo de pagamento dos débitos das fazendas públicas por meio da expedição do indigitado precatório judicial, nos moldes do art. 100 da Constituição Federal, consiste em sistema exclusivo deste país, não encontrando qualquer precedente nos ordenamentos jurídicos estrangeiros.

Como se não bastasse o malfadado ineditismo em análise, a utilização do argumento de que a situação financeira precária da União, Estados, Municípios e Distrito Federal funciona como justificativa política para o descumprimento dos prazos para o pagamento dos créditos precatórios fixados por disposição constitucional, ocasionando sucessivos atos de desrespeito às decisões judiciais, fragilizando o Estado de Direito em decorrência da mitigação do princípio da segurança jurídica.

A Ordem dos Advogados tem acompanhado de perto as iniciativas legislativas (PEC 95/2019 e PEC 21/2020) que pretendem, respectivamente, suspender o pagamento dos precatórios durante o estado de calamidade pública em razão da pandemia e prorrogar o regime especial de pagamento de 2024 para 2028; adiando, uma vez mais, o cumprimento pleno e efetivo do art. 100 da Constituição.

De igual modo, a OAB requereu - e foi aceita - na condição de amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) n° 58 ajuizada, perante o Supremo Tribunal Federal, pelo partido Democratas (DEM) e pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), visando a suspender imediatamente a retenção dos percentuais da receita corrente líquida (RCL) para pagamentos dos precatórios no regime especial de pagamento, sob o argumento de omissão do legislador infraconstitucional na regulamentação da linha de crédito a Estados e Municípios para quitação dos seus respectivos débitos.

Em adição aos ataques ao já nefasto art. 100 da Constituição Federal, atingindo direitos reconhecidos por decisão de mérito transitada em julgado, fazendo com que credores (partes e advogados) esperem décadas para a satisfação efetiva dos seus direitos, há em curso uma discussão jurisprudencial no sentido de relativizar o art. 85 do Código de Processo Civil, que afasta a fixação de honorários por equidade como regra – ou mesmo como primeira exceção à regra.

Nessa esteira, em razão de decisões do Superior Tribunal de Justiça que flexibilizam a ratio legis e próprio texto normativo, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou recentemente a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n° 71, perante o Supremo Tribunal Federal, buscando confirmar a constitucionalidade de dispositivos do Código de Processo Civil que dispõem sobre os honorários de sucumbência em causas envolvendo a Fazenda Pública, ratificando a clareza com que o legislador disciplinou a matéria.

O sobredito artigo 85, em seu §2º e respectivos incisos, preconiza que “os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.”

Vê-se que o legislador foi bastante claro ao determinar um intervalo entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) para a fixação dos honorários, estabelecendo apenas uma gradação levando-se em consideração as nuances da prestação do serviço advocatício, mas sem permitir condenação além ou aquém dos referidos percentuais.

No que se refere às condenações das fazendas públicas no pagamento dos honorários de sucumbência, a regra é modificada apenas no que diz respeito ao intervalo dos percentuais, que vai de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento), observando-se as faixas de valores de condenação, conforme §3º do já mencionado art. 85. Uma vez mais, não há previsão de fixação de honorários por equidade.

Com efeito, a única possibilidade em que a equidade se afigura legítima encontra permissivo legal no §8º, para quem “nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º”. Ou seja, quando o proveito econômico ou o valor da causa for estimável e não for irrisório, é absolutamente vedada a fixação equitativa dos honorários.

São muitas as dificuldades enfrentadas pela Advocacia, seja pela crise econômica que assola o país há vários anos, seja pela proliferação dos cursos jurídicos sem critérios rígidos e padrão de qualidade satisfatório, seja ainda pela incapacidade do Poder Judiciário de concretizar a prestação jurisdicional de forma célere e eficiente.

Os problemas citados neste artigo partem da mesma premissa falsa e distorcida de que, ao Estado, não se lhe impõe a mesma obrigatoriedade de respeitar os mandamentos constitucionais, legais e judiciais; utilizando-se do embate político para corrigir a ineficiência fiscal dos entes públicos às custas do sacrifício de direitos dos indivíduos.

Por expressão textual da Constituição (art. 133), “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. A mencionada norma é a Lei Federal de n° 8.906, de 04 de janeiro de 1994, também nomeada de Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

No art. 44 do nosso Estatuto, são finalidades da OAB: “I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.”

São essas as bandeiras que devem ser levantadas pela Ordem, pelos seus Conselhos Seccionais e pelo seu Conselho Federal. Em verdade, cada Advogado e Advogada – regularmente inscrito – deve se acostar aos propósitos em referência, na sua labuta diária e por intermédio do exercício da liberdade de expressão enquanto cidadão e cientista do direito. Não podemos nos omitir em face de qualquer ofensa à Constituição e às prerrogativas dos Advogados.

Em situações de crise e de embates sociais como a que ora enfrentamos, a Ordem dos Advogados do Brasil desponta, a fortiori, como verdadeiro bastião de resistência da ordem social, democrática e constitucional – sendo essencial o seu fortalecimento e a preservação das suas garantias institucionais para que a Advocacia nacional siga respeitada - em seu valor e em seus direitos prescritos pela Constituição e pela lei.

 

 

Aldo de Medeiros Lima Filho

Presidente do Conselho Seccional da OAB/RN

 

João Victor de Hollanda Diógenes

Secretário Geral da OAB/RN

Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais, Legislação, Doutrina e Jurisprudência da OAB/RN

 

 


 

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