Os apátridas e o direito a pertencer a uma terra

11/11/2014

O Brasil foi um dos primeiros países do continente latino-americano a ratificar a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas (1954) e a assinar a Convenção para Redução dos Casos de Apatridia (1961). Entretanto, foi somente com a Emenda Constitucional n° 54, de 2007, que o país passou a reconhecer como brasileiros natos os filhos de pelo menos um dos progenitores brasileiros nascidos no exterior. Ou seja, com os mesmos direitos do nascido em território nacional.

Quanto aos demais casos de apatridia, não há ainda uma lei específica para solucionar esses casos. Neste ano de 2014, o Ministério da Justiça, com o objetivo de sanar a lacuna legislativa, apresentou um anteprojeto de lei reconhecendo a condição de Apatridia no Brasil.

Apátridas são pessoas que perderam o vínculo diplomático com seus países de origem ou que, de alguma forma, não podem comprovar sua nacionalidade "por circunstâncias alheias à sua vontade”. A situação é considerada uma grave violação pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Ninguém pode ser, arbitrariamente, privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade”.

Segundo a irmã scalabriniana Rosita Milesi, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) e membro do Setor Mobilidade Humana da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), "embora não haja como estimar o número de potenciais beneficiários, agora, o país tem a oportunidade de debater e adotar um importante marco legal nacional de proteção aos apátridas”, explica.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que haja por volta de 10 milhões de apátridas no mundo. Sua Agência para Refugiados (Acnur), através da campanha "I Belong” ("Eu pertenço), lançou este ano um desafio global ao propor ao mundo acabar com a apatridia em 10 anos .

Andrimana: o africano que se tornou brasileiro

Andrimana Buyoya Habizimana chegou ao Brasil fugindo das poucas oportunidades profissionais que seu país de origem, o Burundi, podia lhe oferecer. Chegou ao país em um navio cargueiro.

Andrimana teve seu pedido de cidadania negado por seu país de origem, pela África do Sul e pelo Brasil. O reconhecimento de sua condição de apatridia foi inédita na justiça brasileira, obrigando o Estado a conceder a identidade brasileira à Andrimana, assim como o direito ao trabalho.

"Considero que a negativa do pedido (de conceder identidade brasileira) implicará, na prática, a redução do autor (Andrimana Buyoya) à condição de coisa, eliminando a possibilidade de desenvolvimento de sua personalidade, o que se atrita - e muito - com o princípio da dignidade da pessoa humana”, registra a decisão do TRF (Tribunal Regional Federal) da 5° região, reconhecendo a decisão do tribunal potiguar.

Com informações do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH).

Advogado critica postura dúbia do Governo Federal

O advogado Marcos Guerra, que representou Andrimana Buyoya perante a justiça brasileira, acredita que a postura do governo federal brasileiro durante o julgamento poderia ter sido diferente. O questionamento sistemático contra as decisões favoráveis à Andrimana destoaria do discurso oficial favorável em relação aos direitos humanos dos povos migrantes.

"Considero mais que incompreensível, considero vergonhosa e desnecessária a atitude do Governo. A AGU [Advocacia-Geral da União] ‘sempre’ recorreu, em todas as instancias, prolongando inutilmente o processo. Por outro lado estamos orgulhosos da independência e da visão de justiça e de direitos humanos de nossa Justiça Federal, em seus vários níveis”, explica o advogado, que conheceu Frei Tito de Alencar durante seu exílio na França.

A decisão é uma vitória na questão do imigrante no Brasil. Entretanto, a jurisprudência inaugurada não deve mudar a realidade desses povos se não houver um comprometimento real do governo federal com a questão.

"A jurisprudência começa a mudar, sim, com as sentenças referidas. Mas existe o inconformismo dos que representam o Governo Federal, e talvez isto tenha desencorajado novos pedidos. Grande pena, e perda para o Brasil, porque a evolução faz parte dos novos conceitos universais quanto ao respeito aos direitos humanos. Nesta matéria, esperamos que o Governo possa aliar o quanto antes seu discurso e a prática efetiva através de seus diferentes agentes”, critica o advogado.

Crédito da foto: Emanuel Amaral

 

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