Marcos Guerra fala do golpe de 64 no artigo "Direito de sepultar os mortos"

01/04/2014

Da coragem de chefes gregos ao anonimato inexplicado.

“Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão, contente com minha terra, cansado de tanta guerra, crescido de coração.”

Guimarães Rosa

Estes versos do imortal Guimarães Rosa foram incorporados por Chico Buarque em “Assentamento”.  Referem-se a um direito universal e sagrado, respeitado desde milênios antes de Cristo.  Até hoje, contendores fazem uma trégua para que cada uma das partes cuide de seus mortos e feridos.

Sepultar e honrar seus mortos são ao mesmo tempo direito e dever dos sobreviventes, e um pleito legítimo dos familiares e da comunidade. E um dever moral de todos aqueles que estão diretamente ligados ao evento que resultou na morte. Para cumprir o dever, ou claramente sonega-lo aos mortos e seus herdeiros, os “senhores da guerra” devem assumir com coragem sua responsabilidade. Não cabem artifícios, jogo de empurra e anonimato.

Ao refletirmos sobre os 50 anos do golpe militar, cabe-nos relembrar todos os insepultos que foram vítimas dos conflitos da época, e dos porões da ditadura. A “guerra revolucionária” não justifica um desrespeito à tradição milenar e a um direito natural.

Aqui no RN, dentre outros, a OAB-RN reclama o corpo do Advogado e Professor Luiz Maranhão Filho. Nada explica ou justifica impedir que seu corpo seja sepultado com dignidade e com as honras merecidas, direito dos familiares e de toda a comunidade.

O certo é que mais de 380 famílias brasileiras não puderam enterrar seus mortos, dos quais não têm sequer notícias. Recentemente reabre-se a esperança de esclarecer onde está o corpo do Deputado Rubens Paiva.

Trata-se de direito universal. Respeitado no ocidente desde as Guerras Púnicas em Roma, os conflitos no antigo Egito e a Guerra do Peloponeso na Grécia. Na 1ª. Guerra Mundial ficou conhecida uma emocionante “Trégua do Natal” em 1914, para permitir sepultar os seus, e na qual houve inclusive confraternização natalina entre beligerantes. São disposições inequívocas do Direito Internacional. Seu desrespeito por agentes em serviço envergonha o Estado brasileiro.

Dentre outros casos recentes, em Acari (RJ), em 1990, mães reivindicaram o direito de sepultar seus filhos. Em “Mães de Acari - uma história de luta contra a impunidade”, o autor Carlos Nobre relata o ocorrido, e o Documentário “Luto como mãe”, de Luis Carlos Nascimento nos lembra da impunidade ainda reinante.

Duas tragédias gregas deixam muito claras as escolhas dos Reis Creonte e Teseu, diante do pedido dos familiares para enterrar seus mortos. O primeiro, retratado como déspota impiedoso e insensível, nega-se a respeitar os mandamentos ancestrais e religiosos. O segundo, trava um diálogo elucidativo com sua mãe. Na peça “As Suplicantes”, ficam evidentes as obrigações morais e éticas de quem tem o ônus do poder sobre vivos e mortos.

Com responsabilidade hierárquica, quem comanda decide, como Creonte ou como Teseu ? Passados tantos anos, a cobrança persiste.  Silêncio e anonimato não são respostas válidas.

 Marcos Guerra – Vice Presidente da OAB RN

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