Artigo - Possibilidade da Usucapião Extrajudicial de bens públicos

26/01/2018

Possibilidade da Usucapião Extrajudicial de bens públicos sujeitos a regime de aforamento – uma solução para problemas fundiários.

Filipe Gustavo Barbosa Maux – notário e registrador

É cedido assentar que a Constituição Federal determina que os bens públicos não são sujeitos a usucapião, determinando uma antiga classificação do Direito Administrativo que os bens públicos são imprescritíveis (artigo 183, parágrafo terceiro, e ainda artigo 191, parágrafo único da CF).

O Provimento 65/2017 do CNJ, na mesma toada igualmente veda a usucapião extrajudicial de bens públicos.

Ocorre que a jurisprudência ventila a usucapião do domínio útil de terreno de marinha em razão de aforamento firmado pela União.

O Ministro Barros Monteiro do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no julgamento do Recurso Especial 154.123 – PE apontou que é admissível a usucapião quando o imóvel já era foreiro e a constituição da enfiteuse em favor do usucapiente se faz contra o particular até então enfiteuta e não contra a pessoa jurídica de direito público que continua na mesma situação em que se achava, ou seja, como nua proprietária. Tal decisão foi tomada na linha de vários precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

A matéria foi analisada quando dos Recursos Especiais 10.986 – RS, Relator Ministro Eduardo Ribeiro, e 20.791 – SP, Relator Ministro Waldemar Zveiter. Do primeiro deles, extrai-se a seguinte ementa: “Possível o usucapião relativamente ao chamado domínio útil, quando a pessoa jurídica de direito público tem apenas a nua propriedade e a prescrição aquisitiva refere-se ao chamado domínio útil do que é titular um particular”. Aliás, no julgamento do Recurso Especial 262.071/RS, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 6 de novembro de 2006, concluiu o Superior Tribunal de Justiça que é possível a usucapião do domínio útil de imóvel reconhecidamente foreiro, ainda que situado em área de fronteira.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em importantíssimo julgamento do Recurso Extraordinário 218.324/PE, de relatoria do Min. JOAQUIM BARBOSA, julgamento da 2º turma, em 20.04.2010, assim decidiu:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚLTIL DE BEM PÚBLICO (TERRENO DE MARINHA). VIOLAÇÃO AO ART. 183, §3 DA CONSTITUIÇÃO. INOCORRÊNCIA.

O ajuizamento de ação contra o foreiro, na qual se pretende usucapião do domínio útil do bem, não viola a regra de que os bens públicos não se adquirem por usucapião. Precedente RE 82.106, RTJ 87/505.

Assim, sabendo da possibilidade da usucapião sobre o domínio útil de bem foreiro – terreno de marinha, indaga-se a utilização da via da usucapião extrajudicial, de bem publico municipal, sujeito a regime de aforamento – em carta de aforamento concedida pela Municipalidade por meio de Lei, antes da vigência do Código Civil.

De forma sintética, a enfiteuse era um direito real sobre coisa alheia pelo qual o enfiteuta possui a posse direta da coisa, podendo usá-la de forma completa, bem como aliená-la e transmiti-la por herança, enquanto o senhorio direto, que é o proprietário do bem, apenas o conserva em seu nome.

Nos termos do Código Civil de 1916, dá-se a enfiteuse "quando por ato entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável".

Ocorre, porém, que o Código Civil de 2002 não mais permite a constituição de enfiteuse, sendo que as já existentes deverão seguir as disposições do antigo código até sua extinção, sendo proibida a cobrança de laudêmios ou prestações análogas. Continuam em vigor e são reguladas por lei especial, porém, a enfiteuse dos terremos de marinha e acrescidos.

Não é se somenos importância destacarmos a problemática social existente nos municípios com “cartas de aforamento”, concedida antes da vigência do Código Civil de 2002 porem não levadas a registros.

Essa realidade é presente em diversos municípios. Os particulares recebiam o titulo – carta de aforamento e simplesmente achavam que “aquilo” era o documento e guardavam. Quando iam vender, utilizar para inventário pela morte do enfiteuta descobriam que o titulo, após o advento da nova legislação civilista não tinha mais validade jurídica.

Com arrimo nessa realidade social, indagar-se-ia a possibilidade da utilização da via da usucapião extrajudicial, em face de um particular – enfiteuta, solicitando o reconhecimento do domínio útil do bem publico.

Dando uma luz sobre a relativização de utilização de institutos civis sobre bens públicos, seria possível também o reconhecimento do direito de laje sobre bens publico como ensina o § 1º do Art. 1.510-A do CC:

Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1o O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base.

Os Professores CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, MARTHA EL DEBS e WAGNER INÁCIO DIAS, em seu “Direito de Laje – do puxadinho á digna morada”, editora JusPodivam: 2017, fls.122, assim pontifica:

Não há vedação ao reconhecimento de usucapião lajeário sobre bem púbico. Isso porque a proibição constitucional de usucapião das coisas pertencentes às pessoas jurídicas de direito publico tende a afirmar a impossibilidade de usucapir a propriedade dos bens públicos. No caso da laje, por se tratar de direito real autônomo e independente da propriedade, é possível usucapir o direito de laje, inclusive de bens públicos, porque a propriedade se manterá na titularidade da Administração Estatal. Não haverá, enfim, perda da titularidade do bem publico. A rigor e com acurada técnica é absolutamente a mesma logica que reconhece a possibilidade de usucapião de direito reais sobre a coisa alheia de bens púbicos. Até porque a sentença que reconhecer a aquisição originaria da laje bipartirá o direito real: a propriedade da coisa originalmente construída permanecendo com o poder publico a titularidade da laje com o usucapiente.”

Assim, seria possível a usucapião extrajudicial (porque a judicial já é possível), da enfiteuse ou servidão de passagem de bens púbicos, na medida em que a titularidade da coisa permanece com o Poder Público. Lembrando que nesse caso a usucapião não é em face do Poder Púbico, mais sim de um terceiro particular – titular da enfiteuse.

Antes mesmo do posicionamento do STF, acerca da usucapião sobre o domínio útil do bem publico, precedente citado alhures (STF, Ac. 2º T., RE 218.324/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20.04.2010, Dje 28.05.2010), o STJ assim posicionou-se:

é possível reconhecer a usucapião do domínio útil de bem púbico sobre o qual tenha sido, anteriormente, instituído a enfiteuse, pois, nesta circunstancia, existe apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente, não trazendo prejuízo ao estado” (STJ, Ac. 3º T., REsp. 575.572/PE, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06.09.2005, DJU 06.02.2006).

Essa possibilidade de usucapião – extrajudicial, já que a judicial é possível, sobre bens púbicos, principalmente a usucapião extrajudicial do lajeário, se presta a papel de regularização fundiária de moradias irregulares em publicas, como favelas.

Assim descreve os professores citados: “Com idêntico senso, Pedro Pontes de Azevedo, lucidamente e com visão sociológica, encontra fundamentos para usucapião da superfície de bens públicos (o que, por logico, se aplica a laje sobre terras públicas), no direito fundamental a moradia, assegurando constitucionalmente, que impõe ao Estado o dever de perquirir solução para o problema do déficit habitacional, com maior ênfase ainda naquelas áreas de exclusão social. Esta seria uma alternativa juridicamente viável e independente de atuação da administração publica, o que seria deveras importante para uma regularização fundiária eficaz, especialmente no tocante as ocupações de terrenos públicos.” (Direito de Laje – do puxadinho á digna morada”, editora JusPodivam: 2017, fls.123).

Assim sendo, as antigas cartas de aforamento, não levadas a registro poderiam ser enfrentadas pela usucapião extrajudicial, solicitando o seu possuidor atual, reconhecimento da posse do domínio últil do bem púbico, em face do particular enfiteuta – beneficiário da carta de aforamento.

A guise de exemplo, imaginaríamos uma situação de uma casa em um Município, que foi objeto de aforamento – carta de aforamento concedida em 1980 – quando o instituto tinha validade legal em face do CC/16, não levada a registro em cartório. O particular com a posse da casa desde 1980, vende o imóvel a um terceiro que vai ao cartório para regularizar a situação.

Seria possível, o terceiro comprador utilizar a soma da posse ad usucapionem ( que é aquela que prolonga-se pelo tempo definido em lei e que dá ao seu titular a aquisição do domínio, ou seja, a que enseja o direito de propriedade) do titular da carta de aforamento e solicitar em cartório o reconhecimento extrajudicial, do domínio útil do bem público, com o arrimo nos outros requisitos legais regulamentados no Provimento 65/2017 do CNJ ?

Pensamos que sim. Assim a matricula seria aberta, figurando a propriedade do imóvel em favor do Poder Público, com o domínio útil do bem em favor do particular, atual titular da posse.

Seria uma solução para a problemática das antigas cartas de aforamento existentes do Brasil que nunca foram registradas.

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